terça-feira, 24 de março de 2009

CONSTRUÇÃO CIVIL RESISTE À INDUSTRIALIZAÇÃO

A construção civil responde por uma fatia expressiva do PIB brasileiro - 16% -, mas é o único setor da economia nacional que ainda não se industrializou, alertou o engenheiro Luiz Henrique Ceotto, diretor da Construtora InPar, durante o seminário Inovação na Construção Civil Brasileira, realizado no dia 31 de março em São Paulo. Promovido pelo Instituto UNIEMP (Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa), o evento teve a participação de empresários, executivos, pesquisadores e lideranças da construção civil.
"Até alguns anos atrás, os setores que resistiam à industrialização no Brasil eram a agricultura, o têxtil e a construção civil", lembra Ceotto. "A agricultura se modernizou é hoje é responsável pelo superávit da balança comercial brasileira; o setor têxtil deu a volta por cima, conseguiu preços internacionalmente competitivos e hoje exporta seus produtos; já a construção civil continua utilizando métodos arcaicos e ultrapassados". Para o diretor da InPar, a resistência à industrialização é "um obstáculo ao desenvolvimento do setor". Entre 2001 e 2003, o PIB da construção civil acumulou queda de 12,7%; em 2004, teve desempenho positivo (5,9%) semelhante ao PIB nacional (5,2%).
Na avaliação de Luiz Henrique Ceotto, se a construção civil brasileira adotasse a industrialização em grande escala, "poderia se tornar um dos setores da economia a liderar o processo de aumento da produtividade brasileira".
O dado contraditório é que a construção civil brasileira já tem acesso a produtos e sistemas construtivos com tecnologia tão avançada quanto em qualquer outro país. Mas não os utiliza, a exemplo do drywall - ou 'construção seca'. "A parede de alvenaria, além de ser improdutiva e tecnologicamente atrasada, não atende às exigências de desempenho das edificações modernas; no entanto, o setor se nega a adotar construção seca mesmo conhecendo suas vantagens", afirmou Luiz Ceotto.
Ainda são poucos os exemplos de inovação, na prática, da construção civil brasileira. Um deles é oferecido peça Munte Construções Industrializadas, que faz elementos pré-fabricados de concreto. Ela investiu R$5 milhões em uma nova planta industrial baseada no Lean Thinking, sistema desenvolvido pela Toyota que visa reduzir o tempo de produção e aprimorar a qualidade. Com o novo sistema, a Munte reduziu o tempo de fabricação da telha W de 22hh/m3 (horas-homem por metro cúbico de concreto pré-fabricado) para 13 hh/m3.
Como resolverWalter Cirillo, presidente da Rhodia e do conselho deliberativo do UNIEMP, fez, na abertura no Seminário, uma analogia entre a construção civil e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). "Em trinta anos de funcionamento e atuando em várias frentes, a Embrapa foi responsável pela criação de novas tecnologias que proporcionaram um aumento expressivo da produtividade agrícola no Brasil", argumentou Cirillo, e inferiu: "Se tivesse sido criada uma 'Embrapa' da construção civil, certamente este setor também teria gerado e agregado progressos tecnológicos expressivos". Para ele, uma alternativa seria reunião de diferentes competências - empresas, universidades, institutos de pesquisa e entidades do setor - visando à promoção de ações inovadoras na construção civil brasileira.
A proposta do presidente do conselho deliberativo do Instituo UNIEMP já encontra eco no segmento do cimento. Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) criou a Comunidade da Construção, que incentiva as construtoras e indústrias a investir em tecnologia de processos construtivos à base de cimento e a dividir os custos. A Comunidade tem conselhos instalados em 16 cidades do Brasil. "Formado por construtoras, empresas de materiais de construção, universidades e órgãos como Senai e Sesi, cada conselho elege um problema prioritário para o qual os investimentos em tecnologia serão dirigidos; a ABCP atua no planejamento e metodologia", informou Valter Frigieri, gerente de Planejamento e Novos Projetos da ABCP-SP.
Preocupação do governoA inovação tecnológica é vista pelo governo federal como fundamental para diminuir o déficit nacional de 6,7 milhões de habitações. De acordo com Aser Cortines Peixoto Filho, vice-presidente de Desenvolvimento Urbano e Governamental da Caixa Econômica Federal (CEF), 91,6% desse déficit está relacionado a quem ganha menos de cinco salários mínimos, sendo que 83,2% desse contingente não tem condições de arcar com a compra de um imóvel. "A Caixa considera essencial o desenvolvimento de novas tecnologias para diminuir o custo das habitações populares e assim garantir o acesso da população de baixa renda", afirmou Peixoto.
O governo federal quer também garantir a qualidade das habitações. "Por isso, a implantação do Sistema Nacional de Avaliação Técnica - Sinat - será essencial para a avaliação das novas tecnologias a serem utilizadas no processo de construção", afirmou a coordenadora do Programa Brasileiro de Qualidade para Habitação (PBQPH) do Ministério das Cidades, Maria Salette Weber. O Sinat deverá ser implantado ainda este ano pelo Ministério das Cidades.
A necessidade de inovação tecnológica não está relacionada apenas à construção de mais habitações. Segundo Aser Cortines Peixoto Filho, o Brasil tem um déficit de 5,4 milhões de habitações urbanas. No entanto, nas regiões centrais das cidades há cerca de 4,6 milhões de habitações vagas, que poderiam voltar a serem ocupadas. "Precisamos ter mais empresas especializadas neste segmento, pois a recuperação de imóveis exige tecnologias diferentes da que é usada na construção", disse Peixoto.
Segundo ele, na Europa cerca de 60% das atividades da construção civil estão direcionadas para a recuperação de imóveis. Apesar de ser uma tendência mundial, apenas 5% das construtoras brasileiras atuam neste mercado. Para o diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Vahan Agopyan, "as construtoras brasileiras não perceberam que a recuperação de áreas degradadas é um filão de mercado; e, se não acordarem em tempo, essas oportunidades poderão ser exploradas por grupos estrangeiros", disse.
SustentabilidadeVahan Agopyan enfatiza que a sustentabilidade ambiental é outra grande tendência da construção civil em todo o mundo. Segundo o pesquisador, a sociedade está exercendo forte pressão para a construção civil diminuir o impacto de suas atividades no meio ambiente. Por isso, é necessário que o setor proponha e desenvolva programas com a participação do governo, de entidades ambientalistas e da sociedade. "Do contrário, muitas leis relacionadas ao meio ambiente e que afetam diretamente a cadeia produtiva da construção civil podem ser aprovadas à sua revelia", afirmou; "e isso pode ter conseqüências nefastas para o setor".
Nesse contexto, a inovação tecnológica, seja em métodos construtivos ou produtos, é um elemento estratégico não só para o desenvolvimento do setor como do próprio país. "A construção civil está diante de uma grande oportunidade de avanço; caberá ao setor decidir por qual caminho irá trilhar", disse Luiz Henrique Ceotto.

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